Legítima defesa

Meu pai achou que eu seria poupada. A mãe passou horas na igreja pra garantir. Mas eu, nem por um minuto, me permiti acreditar nisso — já sabia que iria para a prisão.

Um dia eu iria. Já estava escrito. Nos cartazes de protesto que elevavam minha altura. Na minha testa onde sempre teve pintado FORA fulano de tal (principalmente na gestão do último fulano). Na indignação nata, inerente e crescente. A eterna do contra — meu pai carinhosamente me chamava. Tudo sempre levou a crer que um dia por lá eu passaria. Com a roupa do corpo. Com medo nos poros. E assim mesmo eu iria.

Teve uma época em que até acreditei que meu destino havia mudado. Estava tudo tão calmo, numa serenidade que assustava. Eu ainda morava na capital do país, mas não se via mais cartazes, bandeiras, não havia luta pra lutar, a não ser aqui dentro, mas essas ninguém via. Nessa época, meu pai respirava um alívio puro, digno de pais que têm seus filhos seguros em casa. Já eu inspirava um ar que não era meu.

Mas um dia, uma das raras notícias que eu me permitia ouvir quebrou aquele meio-tempo que parecia ter durado décadas. O novo decreto da semana proibia ter empatia e instituía: cada um por si e Deus por todos. Muitos já viviam respeitando essa lei antes mesmo de existir, mas enxergar isso assim, escancarado, eu não podia. Peguei minha roupa de protesto no armário, meus tênis surrados e saí com aquela raiva que fazia meus olhos faiscarem e mudarem de cor. Ela me movia.

Depois de algumas horas, voltei pra casa e anunciei: pai, mãe, matei o presidente.

E até hoje só tenho duas palavras dentro e fora dos tribunais:

Legítima defesa.

“Esta é uma obra de ficção, qualquer semelhança com nomes, pessoas, fatos ou situações da vida real terá sido mera coincidência”.

Olá, sou a Cinthia, escritora, ghost writer e especialista em artigos para sites e blogs. Já tenho o privilégio de viver da escrita, mas nutro o sonho de viver escrevendo livros. Sei dos desafios da profissão, mas meu sonho não está nem aí pra eles. Não sei ainda onde ele vai me levar, mas, como diz certa música: “a procura por si só já era o que eu queria achar…”

Compartilho aqui alguns dos meus aprendizados durante essa rica jornada. Vem comigo!